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O que será de mim!

Quando os pais envolvem as crianças no processo de separação.

Renata Bento
“A infância representa provavelmente nosso melhor ‘investimento’ para o futuro”. Bernard Golse

É cada vez mais atual o tema da separação de casais e o rearranjo das famílias. Atualmente o número de casais separados vem modificando e enfatizando o conceito de novas familias, fazendo ressurgir uma nova modalidade de uniao e afeto. A separação, por um lado, pode trazer muita dor, e por outro, grande crescimento, isto vai depender da forma como cada um vai lidar com os famosos “limões” que surgem ao longo da vida adulta e coloca-nos diante de novos papéis, afinal, mesmo quando se deseja muito o divórcio, é bastante improvável que alguém se case imaginando esse desfecho.

Podemos pensar que para lidar com os percalços ‒ com as frustrações e decepções ‒ a que somos apresentados todo o tempo ,ao longo de nossa existência, é importante que se tenha um bom trânsito interno e a percepção dos próprios sentimentos, que se conheça a si mesmo com mais profundidade e que, no mínimo, possa se sentir bem na própria pele, ainda que em profundo sofrimento. Saber se diferenciar do outro, distinguir as situações problema, os sentimentos, e não se perder no meio da ventania a que se é submetido, faz muita diferença para enfrentar o caos.

Assim, quando acontecerem as fortes turbulências no percurso da vida, pode-se ludicamente fazer uso daquele aviso de segurança que estamos acostumados a escutar durante a decolagem do avião: “em caso de despressurização, máscaras cairão automaticamente. Puxe uma delas, coloque sobre o nariz e a boca, ajuste o elástico e respire normalmente e só então auxilie quem está ao seu lado”. Se pudéssemos traduzir esta frase do ponto de vista emocional poderia ser mais ou menos assim: “aconteça o que acontecer, continue pensando, não se deixe levar pelo desespero”. Esse aviso é bastante significativo, mas podemos aumentar o nosso campo de visão emocional e ainda fazer um empréstimo para as situações de divórcio: “em caso de separação, provavelmente suas idealizações cairão por terra, sua fragilidade aparecerá de diversas formas.

E as crianças, como lidam com as situações de litígio de seus pais?

O que é observado na atualidade é que neste momento de maior angústia, quando os pais não conseguem separar questões conjugais de questões parentais, os filhos entrelaçados a este cenário passam a ficar misturados com as questões conjugais dos pais e, portanto, desassistidos.

Tente se manter vivo e lúcido e, em hipótese alguma, envolva os filhos em sua vida conjugal. E porquê? Simplesmente porque eles não possuem competência psíquica para lidar com tamanha carga emocional. É preciso que os pais compreendam a situação em que estão e só posteriormente passem para os filhos. São os filhos que inauguram a família por assim dizer, que convocam o casal conjugal a se transformar, também, em casal parental, assumindo o lugar de pai e mãe.

Do ponto de vista psíquico, é fundamental para a criança que ela cresça num ambiente estável, equilibrado e com o duplo referencial, pai e mãe, independente da situação conjugal de seus pais. Há que se criar um casal parental que possa sustentar emocionalmente seus filhos, após a separação. É importante ressaltar que uma criança ou um adolescente saberá lidar com o desenlace conjugal de seus pais pelo modo como pai e mãe lidam com sua própria condição de separação. Ou seja, se os pais, ou um deles possui maiores dificuldades para digerir emocionalmente tal situação, é possível que a criança ou o adolescente fique em apuros.

A partir disso podemos pensar que em se tratando de criança esse assunto não é brincadeira.

E porque não é brincadeira? Nós, humanos, somos arremessados à condição de desamparo assim que nascemos e por isso necessitamos de outro ser humano, neste caso, de um adulto, que disponibilize seu tempo e dedique seu amor aos cuidados que poderão dar condição para nossa sobrevivência. Sem isto, estaríamos largados a própria sorte e não sobreviveríamos. Tudo isso para dizer que um bebê, e também uma criança, precisam de cuidados físicos e emocionais para se desenvolver.

A fragilidade emocional do bebê ,frente ao mundo ,o coloca em total dependência de um outro semelhante e é através deste outro que ele irá se constituir. É a mãe, ou o cuidador primordial que exerça a função materna, que irá marcar as experiências do bebê através de sua sensibilidade para interpretar o choro, a fome e os movimentos dele. Concomitante a estes cuidados, as experiências se transformarão em registros, e os registros servirão de caminhos para o desenrolar de novas experiências. No momento inicial da vida, o bebê é totalmente dependente da mãe e caberá ao pai dar o sustento emocional e o apoio necessários para que mãe tenha tranquilidade suficiente para desempenhar seu papel.

A criança nasce num universo permeado de fantasias e desejos inconscientes de seus pais; desde o seu nascimento passa por diversos momentos de seu desenvolvimento que vão marcando, emocionalmente, sua existência. Vale lembrar que a criança que se foi nunca deixará de existir no adulto que se tornará, carregamos para sempre a criança que fomos um dia.

Na medida em que a criança cresce, os cuidados vão se modificando e ela vai passando de uma dependência absoluta a uma dependência relativa, onde os aspectos sociais passam a fazer mais parte da rotina infantil. Enquanto isso, os pais também vão se modificando para acompanhar o crescimento do filho.

Numa situação de divórcio é preciso cautela para que a ruptura de continuidade desse ciclo de desenvolvimento da criança não seja abrupta. Isto para dizer que a situação de separação dos pais vai marcar profundamente o psiquismo dos filhos. Abrir para o diálogo é a melhor forma de passar por essa experiência. Cada criança é única e a forma como irá lidar com a nova configuração familiar será singular. Conversar significa ampliar o espaço para que as dúvidas da criança sejam expostas, lembrando que a criança precisa ser escutada e atendida, respeitando-se a sua idade. Nem tudo pode ser dito abruptamente, é preciso saber como dialogar com a criança. A forma como se conversa com uma criança pequena não é a mesma forma que se conversa com uma criança mais velha ou com um adolescente. A verdade precisa ser dita, mas é preciso saber como dizer, respeitando o desenvolvimento emocional da criança.

A criança quando é jogada em situações que ela não pode suportar emocionalmente, pode responder com diversos sintomas. Alguns sinais de alerta: a criança sai em defesa de um dos pais, pode apresentar dificuldades escolares, depressão, agitação, sono conturbado, agressividade, distúrbios alimentares, embotamento afetivo, afastamento das relações sociais, entre outros.

Quando os pais misturam sua vida conjugal com a vida da criança e oferece a ela um lugar central no cenário do conflito, subtrai dela o lugar de criança, retirando-lhe a segurança de ser cuidada e protegida, acaba por retirar dela o duplo referencial: de pai e de mãe, fundamentais para o seu desenvolvimento.

RENATA BENTO - Psicóloga , especialista em criança e familia. Psicanalista, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. Perita em Vara de Família e assistente técnica em processos judiciais. Filiada a IPA - Inernacional Psychoanalytical Association, a FEPAL - Federación Psicoanalítica de América Latina e FEBRAPSI - Federação Brasileira de Psicanálise.

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